SAFS e a entrada em campo das operações de M&A no futebol brasileiro

Fonte: BMA Advogados Publicado em

Há anos que a profissionalização da gestão do futebol e a criação dos ditos “clubes-empresa” são temas que ocupam o noticiário esportivo brasileiro. A grande maioria das entidades desportivas dos principais níveis do futebol ainda se organiza como associações civis sem fins lucrativos, uma herança da tradição de clubes sociais que, ao longo de décadas, cresceram suas atividades esportivas para além das atividades sociais típicas, principalmente em esportes com grande interesse popular, como basquete, vôlei e futebol.

Devido ao grande potencial econômico do futebol, que constitui um setor produtivo próprio, sua gestão dentro das associações vem se mostrando, ao longo do tempo, cada vez mais próxima à das organizações empresariais clássicas, embora ainda submetida ao arcabouço legal das associações e às peculiaridades de governança interna, com grande capilaridade de associados e conselheiros, maior suscetibilidade a conflitos políticos internos e ciclos de orientações estratégicas divergentes.

Soma-se a isso o fato de que diversos clubes de futebol no Brasil acumularam, ao longo de anos de gestões ineficientes em âmbito financeiro e econômico, dívidas diversas e significativas, a ponto de muitos terem se colocado em situação quase insustentável de solvência e continuidade. Não raro, clubes nestas situações dependeram de mecenas com vínculos históricos ou emocionais assumindo a condução das atividades, em troca de aportes para uma imediata resolução de crises e formação de equipes, com pouco espaço para visões de longo prazo.

O movimento pela profissionalização da gestão do futebol, afastando-a do modelo associativo e aproximando-a das figuras jurídicas clássicas de organização da atividade econômica por meio das sociedades empresárias, com o usual regramento de responsabilidades e funcionamento, sempre provocou debates entre seus defensores no mundo empresarial e os dirigentes das associações, com tímida adoção prática e concreta.

Porém, à medida que diversos clubes tradicionais se depararam, em anos recentes, com queda acentuada de rendimento esportivo, piora exponencial do endividamento e diminuição da presença dos tradicionais mecenas, chegando verdadeiramente à beira da insolvência, o movimento de busca por uma solução se intensificou e se impôs, culminando na mais recente iniciativa legislativa de se estabelecer um novo regramento e marco legal, com a aprovação da Lei nº 14.193, de 06/08/2021, a Lei das Sociedades Anônimas do Futebol.

A referida lei se apoiou no arcabouço jurídico bem-estabelecido das sociedades por ações, da Lei nº 6.404/76, instituindo a figura especial da “sociedade anônima do futebol”, definida como uma sociedade por ações, com governança específica e regime tributário próprio, cuja atividade principal consista nas atividades econômicas envolvidas na prática do futebol profissional.

Como principal vantagem para os clubes de futebol, a Lei das SAFs estabeleceu regras específicas que permitem a essas associações civis, ao mesmo tempo, (i) segregar a atividade do futebol – a principal atividade econômica e fonte de receita de muitas dessas associações – para uma SAF da qual a associação passa a ser acionista, (ii) aderir a planos e condições favorecidos para endereçamento das dívidas existentes nessas associações, e (iii) buscar novos agentes econômicos (investidores, parceiros estratégicos, gestores etc.) para se tornarem sócios na gestão e exploração do futebol dentro do novo desenho.

A nova lei parece ter efetivamente auxiliado o mercado a cruzar a fronteira que inviabilizava a reorganização do futebol brasileiro, já que, em menos de um ano, ao menos quatro dos clubes mais tradicionais efetivamente reorganizaram a gestão de suas atividades de futebol e se qualificaram para encontrar parceiros utilizando-se da figura da SAF (ex.: Botafogo e Cruzeiro) ou encontram-se em negociações para transações similares (ex.: Vasco da Gama e Bahia).

Ao que tudo indica, as operações de M&A envolvendo clubes de futebol e investidores serão uma tendência dos próximos anos e poderão vir a se mostrar uma tábua de salvação para a tão almejada profissionalização do futebol brasileiro. E, para além das demandas de um primeiro deal, com a organização profissional da gestão e a realização das operações em si, já é possível vislumbrar um futuro de novas operações secundárias, como se vê em outras praças do futebol mundial.

*Este conteúdo faz parte da BMA Review #76. Clique aqui para acessar os outros artigos. Deseja receber nossos informativos no seu e-mail? Faça seu cadastro.

** Uma versão resumida deste artigo escrito por nosso sócio-fundador Francisco Müssnich (Chico) e por nosso advogado Thiago Frazão, ambos da área de Societário e M&A, foi veiculada pelo portal O Globo em 12/06/2022. Clique aqui e confira a publicação na íntegra.

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